Por João José Oliveira para Valor Econômico
A Gol, segunda maior empresa do país no transporte aéreo de passageiros, assinou com a Amyris, companhia americana de biotecnologia que opera uma usina em Brotas (SP), acordo para receber, ao longo de 2014, 1 milhão de litros de biocombustível, ou bioquerosene de aviação (BioQAV). O insumo vai abastecer aeronaves em 200 voos comerciais durante a Copa do Mundo de Futebol e depois será usado em pelo menos uma rota diária doméstica.
“Essa indústria está nascendo. Precisamos criar as bases para fazer com o bioQAV o que foi feito com o biodiesel e com o álcool”, disse o presidente da Gol, Paulo Kakinoff, momentos antes de embarcar no voo Boeing 737-800, para o voo GE 1408, entre São Paulo (Congonhas) e Brasília – a primeira operação comercial feita no país com um combustível de origem não fóssil.
O próximo passo desse processo, iniciado em 2011, é a Copa Verde, um total 200 voos comerciais que serão feitos entre as cidades-sede da Copa do Mundo, a partir de 12 de junho de 2014. Na sequência, ainda no ano que vem, a Gol vai fazer ao menos uma rota diária com bioQAV, na proporção de 10% para 90% de querosene fóssil.
A querosene alternativa que a Gol vai usar ano que vem será produzida pela Amyris. O farneseno, mistura de moléculas de carbono e álcool obtido a partir da cana de açúcar, será produzido pela Amyris na usina paulista. O produto ainda aguarda certificação internacional e local.
Por isso, no voo de ontem, o biocombustível que inaugurou essa era veio dos Estados Unidos. Foi feito de óleo de cozinha e de milho, fabricado pela americana UOP – em usina baseada no Texas.
Gol e Amyris esperam que a bioquerosene brasileira receba os certificados internacionais e locais – dados pela ASTM International e pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) – até dezembro. “O projeto prevê o fornecimento de 1 milhão de litros em 2014”, disse o vice-presidente sênior de relações externas da Amyris, Joel Velasco.
A capacidade de processamento da usina, que custou US$ 50 milhões, é de 40 milhões de litros por ano. O executivo da Amyris diz que tem plano aprovado para a segunda unidade, em Pradópolis (SP), com capacidade anual de 80 milhões de litros de bioQAV.
No longo prazo, a Amyris pode gastar no projeto da querosene alternativa US$ 4 bilhões até 2020, com parte dos recursos investidos no Brasil.
Gol e Amyris integram junto com outras companhias, como Boeing e GE, o programa Plataforma Brasileira de Bioquerosene, que busca viabilizar a produção em escala comercial dos querosenes alternativos. “Estamos no Brasil há cinco anos envolvidos nesse projeto”, disse a presidente Boeing no Brasil, Donna Hrinak, também em Congonhas. “O Brasil tem geografia e experiência. Mas faltam elementos, como políticas públicas”.
Nas contas da Gol, se o Imposto sobre Circulação de Mercadorias de Produtos e Serviços (ICMS) sobre o bioQAV for metade dos 25% cobrados hoje na maior parte dos estados brasileiros, a bioquerosene torna-se viável se usada na proporção de 10%. Nesse cenário, a demanda no país atingiria 730 milhões de litros por ano, uma vez que a aviação brasileira consome 7,3 bilhões de litros por ano.
O litro do bioQAV da Amyris custa hoje até três vezes mais que os R$ 2,40 que a Gol paga pela querosene fóssil. “Com escala e política tributária, essa diferença cai”, diz Joel Velasco.