Por Editorial Valor Econômico
De todo o vasto cardápio de concessões de infraestrutura logística desenhado pela presidente Dilma Rousseff, nenhum segmento despertou tanto interesse de grandes investidores como a transferência de aeroportos à iniciativa privada. Pressionado pela necessidade de melhorias urgentes, até a Copa de 2014, o governo licitou no ano passado os três primeiros aeroportos: Guarulhos, Viracopos e Brasília. Onze consórcios participaram da disputa e houve ágio expressivo, de 347%, sobre os valores mínimos fixados no leilão.
Pode-se até argumentar que o valor oferecido pelos vencedores dificulta o retorno dos investimentos e que o resultado do primeiro leilão não foi o desejado, pois as principais operadoras internacionais de aeroportos e as gigantes nacionais da construção saíram derrotadas do certame, mas o apetite do setor privado foi inegavelmente voraz. Hoje, 16 meses após a assinatura dos contratos, não há grandes reparos a fazer ao trabalho das empresas que assumiram os aeroportos.
Novos terminais deverão ser inaugurados até maio e foi aberta uma corrida contra o relógio para entregá-los antes da Copa. Guarulhos já tem 58% das obras executadas. Viracopos, 61%, e Brasília, 50%. Problemas operacionais ainda existem, incluindo até os básicos, como banheiros mal cuidados, escadas rolantes em manutenção e demora na entrega de bagagens. Mas ninguém acredita que a Infraero faria melhor. E é preciso dar um crédito às concessionárias privadas.
Teria feito bem o governo se, logo em seguida a essa bem sucedida experiência de privatização, tivesse se debruçado sobre a elaboração de um plano geral de outorgas para os aeroportos. Poderia definir os terminais com perspectiva de concessão à iniciativa privada, em que horizonte de tempo e com quais regras. Poderia dizer quais aeroportos serão mantidos sob gestão da Infraero e quais serão repassados a governos estaduais e municipais.
Infelizmente, em vez de iniciar de imediato a confecção do plano de outorgas, mais de um semestre foi gasto na inútil discussão sobre deixar ou não a Infraero como majoritária nas concessões seguintes. A resposta negativa do mercado impediu a ideia de prosperar.
Em dezembro de 2012, ao anunciar as privatizações do Galeão e de Confins, Dilma acertadamente impôs maiores exigências à qualificação dos operadores estrangeiros que entrarão nos consórcios. Fixou em 35 milhões de passageiros por ano a experiência mínima na operação de pelo menos um aeroporto no exterior. Na primeira rodada de concessões, a barreira de entrada era 5 milhões de passageiros e houve decepção com a ausência de pesos-pesados do setor entre os vitoriosos. O aumento das exigências é correto. Faltou, porém, justificar técnica e juridicamente a decisão. Acabou passando a imagem de uma medida discricionária e sem embasamento. Diante da falta de parâmetros, a exigência acabou reduzida para 22 milhões (Galeão) e 12 milhões (Confins), por orientação do TCU.
Mais polêmica tem sido a discussão da limitação à presença dos vencedores da primeira rodada. Eles querem participar dos novos leilões, marcados para o dia 22 de novembro, e têm feito forte pressão. O governo, após sinais e desconexos, decidiu manter a restrição. Ainda assim, os atuais controladores de aeroportos privatizados não desistiram e esperam reverter a vedação na Justiça. Há argumentos convincente dos dois lados, mas não soa razoável criar um “elefante” na operação de aeroportos. Convém mais ao país ter dois operadores diferentes, em Guarulhos e no Galeão. Se é verdade que não há competição direta por atrair passageiros para terminais que estão a mais de 500 quilômetros de distância entre si, também é saudável ter empresas diferentes em busca da condição de “a mais eficiente” do Brasil. Trata-se de um setor em que a maioria das gigantes internacionais opera apenas um grande aeroporto nos países de origem.
Nenhuma regra, porém, é mais importante do que a própria estabilidade das normas em si. Independentemente do caminho que escolhe, o governo não tem conseguido incutir, nos investidores, a convicção de que parou de mexer nas exigências e no formato dos leilões – de aeroportos, de portos, de rodovias e de ferrovias. Espera-se que a cobiça do mercado por ativos como o Galeão e Confins seja maior do que a paranoia oficial de mudar critérios a cada dois ou três dias. Convém, ao preparar eventualmente mais concessões aeroportuárias no futuro, deixar as regras claras e bem fundamentadas desde o início do jogo.