Competição entre aeroportos

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Por Cristiano Romero para Valor Econômico

Insatisfeito com o resultado dos leilões de privatização dos aeroportos de Brasília, Guarulhos (SP) e Campinas (SP), o governo decidiu restringir a concorrência, fixando regras para que, na prática, apenas grandes operadores participem das próximas disputas. A promessa é levar a leilão Galeão (RJ) e Confins (MG) em 31 de outubro. Há, porém, falhas preocupantes nos argumentos usados para defender o novo modelo de disputa.

Nos próximos leilões, o governo exigirá que a operadora tenha experiência prévia de gestão de aeroportos com movimento anual de pelo menos 35 milhões de passageiros. Nos leilões realizados no início de 2012, a exigência se limitava a cinco milhões. Ao fixar a nova capacidade mínima, Brasília se mostrou preocupada com a qualidade dos serviços futuros.

Nada sugere, entretanto, que um aeroporto que administre bem um movimento anual de cinco, dez ou 15 milhões de passageiros não possa fazê-lo com 35 ou 50 milhões. A boa regulação, e no caso brasileiro isso é bastante evidente, é que dará os parâmetros dos serviços.

Modelo australiano não resultou em ganhos para usuários

De acordo com o Airports Council Internacional (ACI), organização sem fins lucrativos com sede em Montreal e que representa os aeroportos, só há 30 aeroportos no mundo atendendo a mais de 35 milhões de passageiros por ano. Como se sabe, uma boa parte desses aeroportos é estatal, portanto, possui pouco ou nenhum interesse em administrar unidades em outros países. Alguns simplesmente não podem fazer isso, o que diminui ainda mais o número de operadores aptos a participar da privatização brasileira.

Na verdade, a regra dos novos leilões impede a vinda de alguns dos mais premiados operadores de aeroportos do mundo, como os de Ottawa e Winnipeg, que administram unidades com capacidade anual de até cinco milhões de passageiros, e os de Nagoia (de cinco a 15 milhões), Tampa (15 a 25 milhões) e Zurique (10 milhões).

O governo decidiu, também, limitar a participação societária cruzada entre os cinco aeroportos – os três leiloados, além de Galeão e Confins. O modelo a ser evitado é o da Inglaterra, onde os três aeroportos de Londres foram vendidos nos anos 80 a uma única empresa – a BAA (British Airports Limited). As três unidades respondem por 60% do movimento de passageiros da Inglaterra, o que acabou levando o governo a obrigar a BAA (hoje, Heathrow Airport Holdings Limited) a se desfazer, em 2005, de Gatwick e Stansted.

No ano passado, o mercado brasileiro de aviação civil movimentou 193 milhões de passageiros. Do total, o Galeão respondeu por 9% (17,5 milhões), enquanto Guarulhos ficou com 16% (31 milhões). Juntos, portanto, os dois aeroportos atenderam a 25% do mercado. Estudos indicam que a participação relativa desses aeroportos, embora deva crescer nos primeiros anos da privatização, tenderá a diminuir ao longo do tempo, graças ao crescimento de outras unidades, como Viracopos, projetado para ser o maior do país em 30 anos.

O governo limitou a 15% a fatia do capital que os atuais concessionários podem ter nas empresas que vencerem os leilões de Galeão e Confins. Na prática, a participação máxima será de 7,5% do total, uma vez que a estatal Infraero tem direito a 49% de cada consórcio – uma jabuticaba bem brasileira no processo de privatização dos aeroportos. Dessa regra resulta o absoluto desinteresse dos grupos que administram Brasília, Guarulhos e Campinas a entrar em Galeão e Confins.

A fatia obrigatória da Infraero nas concessionárias de aeroportos já é uma participação cruzada, esta sim, preocupante, do ponto de vista da concorrência. Com 49% do capital das empresas, a estatal tem poder de veto sobre suas decisões estratégicas, muitas delas relacionadas à competição com outros aeroportos.

O modelo “bem-sucedido” de privatização com competição mencionado por autoridades é o da Austrália, que, entre 1997 e 2002, entregou à iniciativa privada seus principais aeroportos. Cerca de 80% do tráfego de passageiros do país ficou nas mãos de quatro unidades (Sidney, Melbourne, Brisbane e Perth). Não se permitiu participação cruzada. Os aeroportos ampliaram fortemente os investimentos e possuem hoje custos de operação bem menores que o da média das outras unidades da Austrália. Na comparação internacional, os quatro se mostram competitivos.

O problema é que os baixos custos operacionais não resultaram em benefícios para os usuários. Pequisa da Skytrax, entidade que pequisa a qualidade dos serviços de empresas aéreas e aeroportos, mostra que os quatro australianos são muito mal avaliados – respectivamente, 121º, 127º, 110º e 171º lugares entre 199. A comparação das tarifas quando excluídos os europeus, que cobram os preços mais altos do planeta, também é desfavorável aos australianos.

Parece ser falsa a ideia de que Galeão concorre com Guarulhos ou Confins. Estudos internacionais sugerem que há dois critérios para definir possível competição entre aeroportos: o da substitutibilidade (tempo de deslocamento para acessar o terminal) e o de deslocamento do consumidor final (até uma hora nos voos de curta distância e até duas horas nos de longa distância ou internacionais).

Galeão e Confins não se enquadram nessas categorias. O tempo de viagem terrestre entre Galeão e Guarulhos é de aproximadamente quatro horas e 30 minutos e entre Confins e o aeroporto paulista, de seis horas e 40 minutos.

Por fim, é preciso lembrar que o marco regulatório que o governo fixou para os leilões de aeroportos é bastante rígido. As tarifas são controladas pelo Estado. Há critérios e parâmetros para tudo, desde o nível de qualidade dos banheiros, até a definição dos investimentos nos vários segmentos de infraestrutura, passando pela exigência de “gentileza dos funcionários” nos aeroportos. Além disso, a capacidade de tráfego aéreo é definida pelo Decea (um órgão militar), a de pista é validada pela Anac, bem como a concessão de slots.

É merecedora de crédito a intenção do governo de assegurar a competição, mas é preciso ter cautela para não desestimular investimentos privados e, pior, não resistir a lobbies cujo propósito é apenas diminuir a disputa (e os valores a serem pagos ao Estado pela outorga) nas novas concessões.

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